Leis e Livros no Sul Livre
Fábio Zucco
Há uma grande tendência no ser humano de ver o seu modelo ético, individual ou do grupo do qual faz parte, como universalizável, quando não como o norte que deveria guiar a todos. Acaba-se assim requerendo a aplicação de seu código moral indistintamente através da lei. A coisa complica quando a lei é redigida de forma genérica. E complica mais ainda quando é feita abarcando um grande número de pessoas, pois um possível erro na lei – algo bem comum – afeta e prejudica, neste caso, dezenas de milhões de pessoas.
Vou partir de um exemplo bem recente para deixar mais claro os meus temores. Em 2022 foi aprovada uma lei no estado de Utah, nos Estados Unidos, em que ficariam proibidas nas escolas de ensino fundamental e médio obras literárias que tivessem passagens indecentes, vulgaridade e violência. Uma comissão avaliaria as obras. Essa lei foi patrocinada pelos conservadores do extra conservador estado de Utah. A maioria das leis nos Estados Unidos são elaboradas em âmbito estadual, bem diferente do Brasil onde são feitas à atacado, no Congresso Nacional ou por ingerência da suprema corte e atingem sem piedade os 220 milhões de brasileiros.
Pensa num tiro que saiu pela culatra! Um pai, a partir desta lei, requereu a proibição da Bíblia nas escolas do distrito de Davis. E conseguiu! Alegou que o livro sagrado tem passagens vulgares e violentas.
Parcimônia e cuidado
Não é o objetivo deste artigo analisar a Bíblia e nem a aplicação desta lei neste caso específico. Meu objetivo aqui é chamar a atenção para a elaboração de leis e de como, no meu entender, deveria ser no Sul Livre. Leis são coisas sérias. São feitas para serem cumpridas e não para agradar este ou aquele grupo de pressão. Leis, como já escrevi em outro momento, são um mal por sempre tolherem a liberdade – não obstante serem necessárias – e por isso mesmo devem ser gestadas com parcimônia e com muito cuidado.
Este caso do distrito de Davis em Utah é emblemático pelo seu efeito contrário ao desejado e por ocorrer nos Estados Unidos, podendo assim compararmos com a nossa triste e centralizada realidade.
O movimento O Sul É O Meu País tem um projeto de nação focado na descentralização, ao que chamamos de localismo ou municipalismo. A nossa maior inspiração é a Suíça, mas casos como esse dos Estados Unidos nos ajudam a demonstrar que estamos no caminho correto.
No primeiro parágrafo chamei a atenção para o fato de que tendemos a impor a todos nossos valores morais. E quando conseguimos, usamos a lei para isso. Esse é o primeiro ponto que quero destacar. Haja vista essa tendência comum – para não falar natural – um país que prima pela liberdade e justiça deve ter ferramentas institucionais e legais para evitar que um grupo imponha sua vontade e seus caprichos a todos. Como foi o caso dos conservadores de Utah que visavam, na verdade, atingir seus desafetos ideológicos.
Descentralização e desregulamentação
Quando tratei da questão educacional defendi um modelo o mais desregulamentado possível, dando total autonomia às escolas, que serão no Sul Livre, no meu entender, quase todas privadas e com uma enorme gama de diferentes modelos pedagógicos. Dito isto, fica fácil perceber que questões como essa do distrito de Davis não seriam problema na nossa nação sulista, pois cada escola definiria os livros que constariam de seu acervo, respondendo diretamente aos pais. E no caso de terem escolas públicas, seriam necessariamente municipais e qualquer regulamentação atingiria somente os moradores do município. Mais descentralizado ainda do que é nos Estados Unidos e anos-luz do modelo centralizado e planificado brasileiro.
Políticos sentem uma coceira irresistível em legislar, regulamentando e definindo padrões de comportamento. Legislam como se necessitassem justificar seu cargo e seu salário, não raro bem polpudo. Assim também agem agentes do governo, como fiscais e burocratas em geral. Uma estrutura burocrática tem que ter razão de existir. Tanto mais razão quanto maior é. Leis e regras inúteis agem nesse sentido: nos azucrinam, nos tiram a liberdade, dilapidam nossos recursos e ainda por cima dão uma aparência de ser a máquina burocrática imprescindível.
Questão de honra
O Sul Livre será um país em que o grosso das leis será feito no município, prescindindo da mastodôntica estrutura burocrática sediada em Brasília. Será um estado mais leve e barato, demandando poucos impostos. E os políticos não terão essa inquietude por legislar, pois os vereadores não serão remunerados. Essa é uma questão de honra da proposta do movimento. Sem remuneração não só para economizar, mas sobretudo para atrair quem de fato quer se dedicar à municipalidade. Sendo feitas no município, muitas das leis podem ser aprovadas de forma plebiscitária. Leis, não ações administrativas, para não cairmos no assembleísmo.
Por fim, algo que está sendo discutido pelos idealizadores, é que deveria haver algum mecanismo de maturação da lei antes de ser definitivamente implementada. Ou algum período, depois de a lei aprovada, para poderem os munícipes requerer uma votação por sua permanência ou revogação. Como o caso do distrito de Davis demonstrou, nunca se pode ter certeza dos desdobramentos de uma lei. Algum aparato legal revisionista seria, sem dúvida, interessante. Em âmbito nacional seria custoso e traumático, mas em âmbito municipal – que é o caso do Sul Livre – seria bastante simples.
Não se trata nada do aqui exposto ser um delírio. São apenas propostas a partir do que já acontece de certo e de errado em outros países e no Brasil. E ao observarmos o que já ocorre no mundo, concluímos sem nenhum medo de errar que, quando as decisões estão mais próximas do indivíduo, concernentes ao princípio da subsidiariedade, são elaboradas leis tão somente as necessárias e de acordo com os usos e costumes da população que por elas são afetadas. É esse o país que queremos!
Viva o Sul Livre
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Um comentário
Celso Deucher
Ótimo texto, representando brilhantemente o que estamos estudando de propostas para um Sul Livre, dentro do Movimento O Sul é o Meu País. Destaco uma passagem que considero bastante sintomática: “Políticos sentem uma coceira irresistível em legislar, regulamentando e definindo padrões de comportamento. Legislam como se necessitassem justificar seu cargo e seu salário, não raro bem polpudo”. Sempre chamei esta ação dos parlamentares de “diarréia legislativa”, cujo significado não carece de mais explicações. Sucesso Fábio!!!