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A Sabedoria da Desistência

Fábio Zucco

Conto Um

                Anos economizando, se privando de prazeres e entretenimento, para concretizar um sonho: montar sua própria empresa: uma livraria. Durante os primeiros anos o empreendimento se paga, as coisas até que vão bem. Mas, em seguida, começam a mudar, e as vendas caem. Não é por falta de dedicação, nem mesmo busca do empreendedor por atualizações gerenciais. Aparentemente nada está sendo feito errado. Abre um portal na internet, mas a concorrência no mundo virtual é selvagem, só os mais fortes sobrevivem.

                O tempo passa e a procura por livros físicos continua diminuindo. Já fazem dois anos que os negócios não saem do vermelho. Mas é um sonho que está em jogo, um projeto de vida, há de persistir. As contas se acumulam e o empreendedor se vê na necessidade de vender parte de seu patrimônio pessoal. A família se ressente pelo cancelamento de viagens, de jantares fora e a transferência dos filhos para escola pública. “Mas a livraria vai se recuperar, os antigos clientes voltarão” – insiste consigo mesmo o empresário em dificuldades.

                Já não há mais funcionários, que com muito custo receberam suas indenizações referente às demissões. A livraria que antes ocupava duas salas, agora só ocupa uma, e sobrando espaço, já que o acervo de livros caiu drasticamente. Mas o livreiro não quer nem ouvir falar em fechar as portas. As contas estão atrasadas, só o aluguel permanece em dia. Quem mantém a casa agora é a esposa, que já não vê encanto na luta por um sonho que hoje mais parece um pesadelo. Passam-se dias sem que nenhum livro seja vendido. Mas o sonhador é fiel ao seu lema: DESISTIR, JAMAIS!

Conto Dois

                João nasceu num lar complicado. Viu o pai bêbado bater na mãe e espancar os irmãos mais novos. Ele próprio leva em seu corpo marcas de espancamento. Não chorou quando o pai morreu prematuramente. Começou trabalhar cedo e ajudou a mãe a criar os irmãos. Jurou para si mesmo que formaria um lar feliz. Aos 20 anos encontrou Marlene, moça bonita, um ano mais jovem, de família conhecida na pequena cidade. Casaram-se sete anos depois, não antes de já terem casa mobiliada num bairro classe média. Tudo pago com o esforço de João que se equilibrava entre um emprego numa tecelagem e bico de entregador nas noites e finais de semana. Juntou tanto dinheiro que montou uma panificadora, logo depois de Marlene dar à luz seu primeiro filho. Aos 42 anos João tinha um casamento aparentemente feliz, dois lindos filhos adolescentes, uma panificadora que tomava quase todo o seu tempo, e cinco casas de aluguel. Cumprira a promessa que fizera a si mesmo: construíra um lar feliz. Nunca bebera e educara seus filhos conforme valores cristãos. E Marlene pede o divórcio!

                João não entende, não quer acreditar. Nada fazia sentido. “Agora que temos estabilidade econômica e podemos começar a aproveitar a vida!” – pensa ele. Se nega sequer a falar no assunto, mas a esposa está irredutível e ameaça sair de casa com os filhos. João se desespera. Promete mudar, sem saber o que fez de errado. Fica mais tempo em casa, compra joias, marca viagens, reserva restaurantes . . . . Agenda psicóloga, para Marlene, é claro, “que tem que estar desorientada!” – deduz o marido desnorteado. Apela para os filhos, pede intercessão do pastor de sua igreja, chega a fazer promessa para Santa Rita. “Que o pastor não descubra!” Três anos depois de finalmente se mudar para uma de suas casas de aluguel, João ainda está preso a um casamento que acabou e ele não quer aceitar. O sonho da família feliz desmoronou, mas João não aceita e fica preso a uma realidade que ainda existe somente em sua cabeça. E NÃO DESISTE!

Conto Três

                Ayn Rand é a grande escritora russo-americana defensora do individualismo. Sua magnum opus é Atlas Shrugged, ou A Revolta de Atlas, segundo a tradução. Para apresentar meu ponto será inevitável um pouco de spoiler. A obra foi escrita nos anos 1950 e apresenta um Estados Unidos tomado por políticos de discursos assistencialista e intervencionista, fundamentados na necessidade de priorizar o coletivo. A mulher foi uma visionária! Assim, as iniciativas individuais, o empreendedorismo e o lucro, eram pregados por esses políticos populistas como uma praga da sociedade, sinal de um egoísmo deletério. Quem conhece um pouco do pensamento de Rand, percebe logo a crítica da autora, grande defensora do egoísmo como mola propulsora do progresso. O impressionante é que a autora romanceia sua visão filosófica numa obra de 1200 páginas como prenúncio do que ocorreria no início do século XXI.

                Pois bem, e se a verdadeira mola propulsora de qualquer sociedade, o empreendedorismo, resolver fazer greve? Esse é o mote de A Revolta de Atlas. Na obra literária, os empreendedores, não só os empresários, resolvem abandonar seus projetos e deixar que tudo “se exploda”. Em outras palavras, ELES DESISTEM!

A Grande Ilusão do Brasileiro

                “Sou brasileiro e não desisto nunca”. Como já escutamos essa baboseira! Virou um verdadeiro mantra, uma catequização, quase lavagem cerebral. Pregam essa idiotice como se fosse uma grande virtude não desistir jamais. Quanta soberba! Como se pudéssemos ter controle sobre a natureza e os outros. Como se pudéssemos ter controle sobre o jogo político. Nem conhecemos as regras desse jogo, quanto mais ter algum controle sobre ele!

                Insistem nesse mantra da não desistência para manter a esperança, para acreditarmos que há salvação para um país cuja corrupção está arraigada em todas as esferas e instituições, feito câncer em metástase avançada. Não há cura. Resta-nos aceitar a morte.

                Há 500 anos estamos “não desistindo”, persistindo, acreditando e sendo controlados e usurpados. Incutem esperança e atrasamos o momento de desistir. Como no primeiro caso, o empresário não quis aceitar que sua empreitada tinha falhado. Persistiu quando deveria ter parado. Dilapidou suas reservas e depois até seu patrimônio pessoal. Saber a hora de desistir é sinal de grandeza. É se dar a chance de recomeçar, agora com mais experiência, levando consigo o exemplo do que deu errado. Um país que começou errado não dará certo. A não ser que você considera “dar certo” uma história que intercala momentos de ditaduras e democracias capengas. O povo desse país deve ter a grandeza de saber que CHEGOU A HORA DE DESISTIR!

O Maior Projeto

                Discutamos agora acerca do homem que não aceitava o fim do casamento. É difícil e traumático. É um projeto de vida que faliu, uma idealização de convivência abortada. Desistir nesse caso é aceitar que não temos controle sobre o outro, que o meu projeto deixou de ser o projeto do parceiro. Um dos dois chega à conclusão que só conseguirá prosperar se se desvencilhar do par, que suga sua energia. Da mesma maneira um povo deve ter a coragem de desistir do projeto de país que nunca vigorou e romper com o governo que usurpa seus recursos e sua liberdade.

A vida é, em si mesma, o maior projeto de qualquer pessoa. Não obstante, até esse desígnio terá que ser abandonado. No final, nos restará sempre a resignação, sem a qual não haverá paz. Sem a sabedoria e a serenidade para desistir é impossível entrar de cabeça num novo empreendimento, abraçar um novo sonho. E como é triste uma vida sem sonhos! Hoje milhões de sulistas estão vivendo seus dias entre a frustração e a desesperança, porque não desistem de um país que não deu e nunca dará certo.

                Milhões já desistiram, fizeram suas trouxas e emigraram. Podemos condená-los? Estariam certos se seguissem o mantra de não desistir nunca? Não estão eles, na sua maioria, melhor do que estariam aqui, persistindo num projeto de país que é falho já em sua elaboração. Mas há outras formas de desistir, sem ter que se mudar para outro país.

Brave New South

                Ayn Rand dá o tom no seu A Revolta de Atlas. Ela mostra que mesmo poderosos empresários não podem lutar contra o sistema. Ou se deixam cooptar ou pulam fora. Os heróis de Rand pulam fora. E você vai ainda insistir em lutar contra o sistema? Ou pior, nutre ainda esperanças de mudá-lo?

                Desistir não é ato de covardia, nem de pusilanimidade, quando já se persistiu o bastante. Há que se ter coragem para desistir, para saber a hora de parar de insistir naquilo que claramente não dará certo, ou que não voltará mais a ser o que era. Só os bravos desistem, pois sabem que terão que encarar novos tempos, novos projetos, sonhar de novo. Qual valente nunca recuou!?

                O brasileiro, que depois de 500 anos de um projeto falido, não desiste, é um iludido e um covarde. “Sou brasileiro e não desisto nunca” é a súplica daqueles que no fundo dizem amém para o esquema de poder e usurpação de Brasília.

                A essa altura você deve estar indignado e se perguntando se eu escrevo essas linhas da América Portuguesa ou se, afinal, eu desisti e moro em outro país. Desisti sim, o Brasil já era. Aliás, nunca foi! No entanto moro no torrão de terra que ainda faz parte da América Portuguesa, mas que não fará mais em alguns anos. “É verdade” – você afinal reconhece – “de fato não há mais esperança, por Brasília não virá mudanças para melhor, a extorsão e a manipulação serão eternas”.  E você dá o primeiro e definitivo passo:  DESISTE.  Mas não quer sair do país, não quer se sentir sem rumo, não quer viver sem esperanças. E questiona: “O QUE VOU FAZER AGORA?”

                Well, well, well. . .  Now, my friend, I have a Brave New World to show you!

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