O Sul Livre e a Arte
Fábio Zucco
Num dos documentários da Brasil Paralelo-BP, “Aos Amigos, A Lei”, a produtora de vídeos, a melhor do Brasil sem dúvida nenhuma, trata do financiamento público da Cultura. Cultura? Termo de significado tão amplo que acaba se tornando vago. Por isso prefiro um termo mais restrito, embora ainda bem amplo: Arte. Vou então tratar do financiamento da Arte no Brasil de hoje e, o mais importante, como será, segundo minha interpretação da proposta do Movimento O Sul É O Meu País-MSMP, no Sul Livre.
Já de cara quero deixar bem claro que tenho muitas críticas ao documentário, apesar de eu ser um admirador da BP. Existem hoje muitas formas de financiamento público da Arte. Não obstante, a principal e mais polêmica é a famosa Lei Rouanet, sendo exatamente esta lei e seus procedimentos e dispositivos o alvo do filme da BP. Durante boa parte de “Aos Amigos, A Lei” é mostrado como o financiamento da Arte, apesar do discurso, acaba beneficiando não artistas de menor destaque que lutam arduamente para viver de seu talento. Muito pelo contrário, esse dinheiro muitas vezes é usado para viabilizar grandes produções de artistas que já contam com amplo reconhecimento. Ou seja, dinheiro público para quem já é bem sucedido na sua carreira artística e conta com uma confortável conta bancária.
Desvio de finalidade
O documentário destrincha o sistema por dentro e revela que esse desvio de finalidade é facilitado por softwares que possibilitam trâmites burocráticos lenientes, de forma que facilmente pessoas por trás de formulários e máquinas direcionam verbas a partir de interesses pessoais ou corporativos. Resumindo: uma bela ginástica burocrática e tecnológica para usar a enorme verba destinada à Arte para fazer política, em detrimento de quem realmente necessitaria desse dinheiro: o artista carente e os pequenos projetos culturais.
A partir da proposta, totalmente técnica, de uma antiga funcionária do Ministério da Educação e Cultura-MEC, especialista que trava uma árdua luta para moralizar o financiamento público da Arte, o documentário, depois de mostrar os desvios do atual sistema, defende a possibilidade de que é, sim, possível financiar a Arte por critérios puramente técnicos, fazendo o dinheiro chegar aos artistas e projetos que de fato dele necessitam. E é a partir daí que começa a minha discordância com a obra documental, que sequer arranha a verdadeira raiz do problema: o extremo centralismo estatal.
Mero paliativo
É sempre assim, por cegueira ou por covardia de olhar o problema a partir de seus fundamentos, propõem-se remendos. A intenção da antiga funcionária, sobretudo levando-se em conta seu preparo técnico e seu enorme drama pessoal, é das melhores. No entanto, o remédio proposto não passa de mero paliativo.
Ainda que não fosse o Brasil essa enormidade que é, não houvesse tamanha diversidade cultural e social, as pessoas públicas fossem todas bem-intencionadas, mesmo relevando-se toda essa realidade irrefutável, a complexidade para se saber quem de fato necessita e merece o financiamento público é intransponível. Nunca haverá justiça, nem perto disso, quando se propõe financiar artistas com verbas provindas dos pagadores de impostos. Muito menos num sistema centralizado como é o brasileiro. E não será um remanejamento tecnológico e burocrático que resolverá isso.
Há duas sugestões para o financiamento de artistas e projetos culturais ser mais imparcial e assertivo, e ambas fazem parte da proposta do MSMP, tal qual eu a entendo. Primeira, simplesmente acabar com qualquer financiamento público; segunda, trazer o financiamento para o nível local, notoriamente o município.
Quando olhamos para um dos períodos mais criativos e fecundos das Artes, o Renascimento, custa-nos crer que a enorme maioria dos artistas era financiada por particulares, os mecenas. Por vezes papas ou reis, na maioria dos casos ricos burgueses, mas sempre com verbas pessoais, não do Estado. Outras vezes, em outras épocas, foram com verbas públicas, mas locais, como nas póleis gregas, em especial a Atenas do Século de Péricles. Veja, os grandes booms criativos da história da humanidade ocorreram quando as obras de arte estavam sob o olhar atento de quem as custeava. Diga-me você, como, de Brasília, políticos e burocratas podem acompanhar a boa aplicação do dinheiro investido nos projetos artísticos por todo esse enorme país continental? Podem, isso sim, cobrar uma contrapartida desses artistas na forma de apoio público para seus projetos de poder.
Confederação municipalista
O projeto do MSMP, nunca é demais lembrar, é de Confederação Municipalista. Também não canso de enfatizar que este blog tem a finalidade de levar o leitor a pensar de forma diferente ao imaginar como será viver num Sul Livre em que as leis serão majoritariamente elaboradas em âmbito municipal, assim como o dinheiro dos impostos, em torno de 80%, nos municípios ficarão. Não haverá verba para o financiamento público da Arte em nível federal. Mas haverá em nível municipal. Isso quer dizer, então, que os artistas serão patrocinados pelas prefeituras? Pode ser que sim, pode ser que não! Isso caberá à decisão ou legislação municipal. Os munícipes podem se manifestar a favor ou contra. Por exemplo, para a preservação de uma manifestação tradicionalista pode ser requerido dinheiro público. E por que não para manter museus, galerias e escolas de Arte, etc? Por outro lado, outros podem discordar, e o debate seria intenso. Mais intenso ainda porque cada pagador de impostos se sentirá empoderado para influir na aplicação da verba pública. Bem diferente do que ocorre no Brasil de hoje, que políticos e demais poderosos de Brasília ensaiam rixas do que fazer com nosso dinheiro, e nós, abestalhados, ficamos corroídos com esse sentimento de impotência diante da usurpação à luz do dia.
Cultura, e mais especificamente a Arte, é algo muito sério para deixar seu financiamento nas mãos dos políticos e burocratas de Brasília. Vemos o que acontece! Se o governante da vez é religioso, financia-se artistas dessa vertente. Se, ao contrário, o governante está ligado a uma elite travestida de assistencialista, serão artistas dessa tendência ideológica que receberão os aportes públicos. Sem esquecer, é claro, a compensação em forma de apoio político. O que nunca importa é se esses artistas têm necessidade ou não desse financiamento. Tampouco o resultado de seus projetos. Por exemplo, pode-se gastar milhões patrocinando um filme, e muito pouco interessa se fez bilheteria ou não. O lucro do artista não vem da aceitação do público ao seu projeto, mas do rico dinheirinho que granjeou através de leis de incentivos à Arte.
Você deve estar se perguntando: e isso não poderia acontecer no Sul Livre? Muito difícil. Lembre-se, a única verba disponível será a municipal, de um povo que estará vigilante, pois se sentirá empoderado, visto que terá um maior controle sobre o dinheiro público. A reação será imediata e o gestor público facilmente perderá seu cargo. A corrupção e a malversação do dinheiro público são amparadas pela impunidade e isso só acontece hoje porque não temos mecanismos de fazer valer o bom uso dos impostos. Repito: a centralização das decisões e das verbas é a raiz dos males. O Brasil não irá mudar, pois interessa aos donos do poder, não importa quem entra, que assim continue. Imagine você quantos dependem e se locupletam apenas com o gerenciamento das verbas da Lei Rouanet e de outros projetos de incentivo à Cultura!
Essencial demais
Arte é expressão da vida. É linguagem que toca os sentimentos. Que aflora diante da mudez e incapacidade do dizer. Do indizível, portanto, emerge a Arte. É expressão da emoção, que reside em sua espontaneidade a sua Verdade. A Arte é o sangue mais vermelho, a dor mais doída, a ira incontida, o êxtase inexpressível do orgasmo, a sublimação do amor.
A Arte é importante demais, essencial demais, para ser deixada nas mãos de políticos, que a querem para emplacar narrativas com vistas ao seu projeto de poder.
Mais de uma vez escrevi neste blog que o poder não pode ser contido somente através da limitação de funções do Estado. É condição sine qua non para a Liberdade que o poder seja diluído geograficamente. O MSMP tem uma proposta sólida neste sentido ao propor uma Confederação Municipalista. Financiada pelos órgãos municipais ou unicamente pela inciativa privada, a Arte no Sul Livre retornará à sua espontaneidade e função primordial, que é falar da vida através de suas diversas formas peculiares, estimulando nossos sentidos e nosso senso estético, atingindo fundo nossos sentimentos.
Viva o Sul Livre – Nação de Arte Espontânea
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Um comentário
Augusto
👏👏👏 Uma política focada nos moradores locais. É disso que precisamos. O sul é o meu país!